10 janeiro, 2008

Cúmplices da mediocridade

Já houve quem, com ar claramente enfadado, tenha perguntado ao presidente da Liga se este “não se sentia incomodado pelo campeonato estar resolvido em Dezembro?”, como se fosse um crime lesa-majestade o avanço pontual do FC Porto em relação aos demais concorrentes. Hermínio Loureiro, pouco à vontade em confrontações directas, tartamudeou que não seria o caso, pouco convicto do que afirmava.

A pergunta, desajustada, surgiu antes do desaire na última jornada de 2007, com a derrota portista a ser recebida entusiasticamente, uma espécie de balão de oxigénio retemperador, prolongando o tempo de vida de um moribundo. A prenda de Natal, servida de forma antecipada, foi acolhida como uma bênção, capaz de rejuvenescer o interesse nacional na maior prova de clubes intra-muros. O FC Porto foi derrubado simbolicamente do seu pedestal de aparente imortalidade e os adversários, levianamente apontados como medianos, ganharam forças. Ou, pelo menos, pensaram que sim.

Jesualdo antes e a própria equipa depois trataram de desmistificar a quebra acontecida na paragem natalícia de 2006. “Nada disso de repetirá”, proclamou peremptório o timoneiro azul e branco. O treinador dos Dragões, assumindo o papel de defesa do grupo, tratou de retirar importância à onda de esperança que varreu o território continental, após o desaire azul e branco na Madeira. Apesar da corrente de pensamento, agora muito em voga no futebol luso, defensora de que a ausência de competitividade da Superliga, na luta pelo seu ceptro, é prejudicial ao próprio desporto-rei, os atletas portistas corroboraram o discurso do seu líder de balneário, entrando de pé direito no novo ano, derrotando sem apelo a Naval.

E o tema até tem muito que se lhe diga. A paragem para as festividades transformou-se numa réplica da silly-season de Verão, com as convulsões típicas da pré-temporada. As capas de jornais enchem-se com a notícia da chegada eminente de craques, todos com destino a Sul do País, com percursos irrepreensíveis, vontade indómita de triunfar e, preferencialmente, curvando-se reverentemente à menção do nome do Benfica. É a época do elogio avulso, das pinceladas cor-de-rosa em percursos desportivos medíocres, da utilização abusiva do eufemismo. Uma espécie de oásis, nesta paragem competitiva, abrindo portas a uma outra dimensão, do género da Terra do Nunca, onde tudo pode literalmente acontecer.

Embalados por isso, multiplicaram-se os discursos de optimismo, a celebração de desejos de felicidade própria e, claro, o formular de votos. Nesse aspecto, a última quinzena do ano 2007 foi pródiga em declarações ajuramentadas de confiança na conquista do título, por parte dos jogadores dos clubes da 2ª circular. Todas elas recebidas pela turba jornaleira como reveladoras de ambição, destemor e coragem. Enquanto Nuno Gomes, com tempo de sobra extra-desportivo para se desdobrar em entrevistas, aparecimentos em eventos sociais e afins, afirmava convictamente que “quer ser campeão este ano”, para as bandas de Alvalade, o surrealismo atingiu picos extremos. Vukcevic, feroz concorrente de Jaime Pacheco na luta pelo registo oficial de detentor de apenas um neurónio funcional, disparava um “9 pontos de avanço não são nada”. De um jogador de futebol que proclama, alto e bom som, que não gosta de…futebol e que “preferiu [palavras do próprio] o Sporting ao Porto”, pouco mais será de esperar, quanto a rasgos de lucidez, inteligência ou sagacidade. Não querendo ficar atrás do companheiro de clube, um dos únicos brasileiros com nome pronunciável, Pedro Silva, saiu-se com um “quem fala muito faz pouco”, referindo-se aos jogadores que ostentam o emblema de campeões nacionais ao peito. Numa quadra em que a harmonia é a palavra de ordem, a estupidez congénita, pelo que se vê e lê, não paga impostos…

Mas, como se acordassem do mais belo dos sonhos, findo o período festivo, a realidade aparece sem maquilhagem, tal como ela é. Aquele doce torpor, provocado pela ingestão extrema de preciosidades gastronómicas, com as calorias a serem ingeridas à mesa, no aconchego do convívio familiar, tem um fim abrupto. Basta a bola começar a rolar. E aí, quando a qualidade deve imperar, não existem paliativos para camuflar o mau futebol, a fraca capacidade táctica, o desatino emocional ou a precaridade exibicional.

O Porto, até agora, nada ganhou. É um facto indesmentível. Mas a desvalorização a que se assiste, de forma impávida, à carreira portista, não é mais do que inveja encapotada e uma indisfarçável incapacidade de coabitar com o sucesso alheio. A cumplicidade para com a mediocridade, que encontra eco e porto seguro de abrigo nas páginas de pasquins, em colunas de opinião de pomposos e pressurosos jornalistas, capazes de glorificarem a existência de 4 equipas lusas, ainda resistentes, nas competições europeias, mas camuflando o facto de que apenas o Porto e Braga permanecem estoicamente presentes nas provas para que foram qualificados. É este o futebol e os seus escribas que temos, incapazes de se reciclarem.

Assim, pelo novo ano, vamos continuar a assistir a mais do mesmo. O talento e o trabalho do Porto agressivamente neutralizados, confundindo ambição com arrogância, preteridos à mediatização do novo penteado do avançado Y, ao estilo de vida do defesa X ou ao altruísmo social do atleta Z, por coincidência jogadores dos grandes de Lisboa. Será bom sinal. Será sinal de que, mais do que o TRI, já se pensa e prepara o assalto ao TETRA. Porque, por muito que tentem escamotear, é na Invicta que está sedeada a única equipa com dimensão europeia e aquela que verdadeiramente é reconhecida internacionalmente como qualitativamente GRANDE! E é isso que lhes dói...

“Não ser generoso com aqueles que elevam o futebol é um modo de cumplicidade com a mediocridade”, Jorge Valdano dixit...

E esta frase resume mesmo o País que temos, não resume?

9 comentários:

  1. «“Não ser generoso com aqueles que elevam o futebol é um modo de cumplicidade com a mediocridade”, Jorge Valdano dixit...
    E esta frase resume mesmo o País que temos, não resume? »

    É verdade Paulo. Resumiste muito bem todo o teu post. A incapacidade que eles têm de viverem e assumirem o nosso êxito, a falta de coragem para identificarem os seus próprios erros levam essa gentinha numa busca desenfreada de desculpas q passam pelo sistema, apitos e outras razões ocultas.

    Há muito que este FC Porto poderoso, indomável, organizado, merecia que o País se rendesse às evidências mas não. Preferem a mediocridade e nós se calhar tb preferimos q continuem a pensar dessa mesma forma.

    E já agora parabéns ao grande treinador Carlos Carvalhal. Mais um tiro no leão. Embrulha!

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  2. Como disse o estilhaço o Postiga vai ser mesmo emprestado ao Panathinaikos até fim da época. Esta é a boa notícia. A má notícia é q o empréstimo não prevê qq opção de compra, pelo que o Caxineiro, meu vizinho, regressa ao FCP em Julho.

    No hóquei eu e o Estilhaço estivemos ontem em Gondomar a ver o FCP-portosantense (4-1). Mais uma vitória, 6 pontos de avanço e ainda menos 1 jogo. A equipa de hóquei do FCP é a única do nosso clube ainda imbatível esta temporada.

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  3. Resume e de que maneira, Paulo !

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  4. Boa crónica Paulo. Apesar de comentar pouco, passo sempre por aqui e gosto de ler a tua crónica.

    Eu até penso que neste jornada o FCP ganhou alguma coisa, sabem o quê ?
    A conformidade dos nossos adversários, parece que eles estão conformados e sinto que baixaram os braços na luta pelo título.
    Nota-se nos olhares, na apreensão, de como a bola queima ( e no Sporting então...), na atitude de alivio quando marcam um golo, a pressão é muito forte sobre eles E ainda por cima são as próprias declarações deles que lhes está a dar mais pressão, inconscientemente, ou seja, eles estão a ser inimigos deles próprios e isso está a ser prejudicial, o que, convenhamos dizer, está a dar imenso gozo assistir a isso tudo.

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  5. Paulo, vou pelas palavras do Memphis... de facto, esta semana, ganhamos algo de muito significativo... 'calamos' os infiéis (bem sei que não será de vez, pq isso seria pedir muito) e até mesmo os pasquins da vergonha, começam a sentir que esta época desportiva, cada vez menos têm possibilidade de levá-los ao colo.

    Ademais, a referência do Valdano, é soberba... em meia dúzia de palavras, diz tudo... e muito!!!

    aKeLe aBrAçO,

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  6. Paulo :

    Crónica inteligente e bem estruturada.

    O Senhor Valdano
    é um defensor intransigente do futebol-feito -arte .
    Sem grandes amarras tácticas . Espectacular .
    Onde os verdadeiros criativos não sejam impedidos de libertar todo o seu génio.
    Por isso devemos ser generosos com os grandes jogadores porque eles merecem-no.

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  7. ainda vai sair daqui escritores e poetas!!!

    bom post!!!!

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  8. exelente cronica... ilutra de facto a realidade do futebol em portugal... tal e o dominio portista,e nao so no futebol...

    alias,didia mais... ogrande benfica dos 200 mil socios, dos 6milhoes de adeptos,do clube kom mais titulos ganhos no campeonato,do clube com mais derrotas em finais da champions,do clube das lutas grego-basileiras,do clube do simplesmente mantorras.do clube com mais titulos ganhos em torneios nas arabias...nos ultimos 10 anos conquistou 1 campeonato...e muita coisa de facto...
    ja nos como sendo conhecidos por um clube regional,nos ultimos 20 anos apenas conquistamos 38 trofeus nacionais e internacionais..."para um clube regional e muito bom"

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