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Um pequeno aviso à navegação antes de deixarmos o cais: não é Ibrahim, é Brahimi. É só pegar no i que está atrás e pô-lo no fim. Não esperava, confesso, que o inventor do manuel machadês também confundisse um sueco alto, branco e espadaúdo com um argelino escuro feito de plasticina. É que também no Dragão, Ibrahim começa a fazer escola. Tal como Timofte era Timóteo, Drulovic era Druloviche, Clayton era Cleito, Fucile era Fucílio, Lisandro era Lopes e não Lopez e Helton é o Helto. Os resquícios das Antas ainda subsistem. E ainda bem. Um clube sem tradições é um clube morto.
Yacine Brahimi. Nome de craque, não engana. Tal como Rabah Madjer. Os nomes sugerem qualquer coisa de triunfante, imortal, grandioso, letras douradas sobre veludo azul. O FC Porto dá-se bem com o Magrebe, história de amor, romance intemporal de momentos apaixonados, mágicos, ofuscantes, guardados na gaveta da memória mais feliz. Daquela que arranca lágrimas por entre rasgados sorrisos.
Foi também assim no Dragão, quando Tarik Sektioui deixou meia equipa do Marselha para trás, pregada ao relvado, a assistir à sua jogada magistral. Só o FC Porto poderia fazer assim a ponte entre dois continentes, ligando o Mediterrâneo, ultrapassando a barreira económica, cultural e religiosa que se interpõe entre a Europa e África.
Mas vamos à história. Corria o ano da graça de 1983 quando o jovem Rabah Madjer chega a Paris para representar o Racing da cidade. Já não era propriamente um jovem imberbe, muito menos um desconhecido, tendo no currículo o golo apontado à Nigéria que qualificou os argelinos para o primeiro mundial da sua história, o Espanha ’82, no qual Madjer viria, claro, a participar e a marcar na histórica vitória argelina frente à antiga RDA. Vice-Bola de Ouro Africana em 1985, já era, portanto, alguém com um currículo e estatuto atrás de si. Contudo, Paris não foi a paragem ideal para Madjer, pese embora os 22 golos em 50 jogos não possam adjectivar de fracasso o seu capítulo francês. O argelino não se adaptou, não conseguiu mostrar todo o seu futebol, o seu francês não foi suficiente para se fazer entender nos relvados gauleses. Ainda foi emprestado ao Tours, mas o seu caminho em França estava irremediavelmente a chegar ao fim.
Em 1985 é “descoberto” pelo FC Porto. E esse é um daqueles momentos de viragem, um lifechanger, um momento agente de mudança, quer para ele, quer para o clube. A partir daí nada mais seria igual. Tal como quando Deco entra nas Antas vindo do Salgueiros. Há, pois, dois FC Porto: um antes de Madjer e outro depois de Madjer. Tal como para Madjer há uma vida antes do FC Porto e outra pós-FC Porto. Não é possível permanecer-se igual ou impune depois daqueles dois momentos no Prater, que literalmente empurram um clube periférico europeu e ainda sem títulos internacionais para a eterna glória mundial. E depois de trepar as escadas e chegar lá acima e ver como é, tudo fica mais fácil. Caminho desbravado, caminho descoberto, só é preciso encontrar gente para continuar a jornada.
O que surpreende, neste caso, é o FC Porto ter-se lembrado de Madjer, que estava algo perdido no campeonato francês. Tal como foi, por exemplo, descobrir Guarin a Saint-Étienne, lançando-o para uma carreira internacional de bom nível. Ou Hulk no Japão. No caso de Brahimi, é também estranho como o FC Porto se antecipou aos tubarões do Velho Continente e consegue resgatar o melhor jogador africano do futebol espanhol, com uma presença num Mundial pelo meio (também aqui, note-se, há paralelismos com a história de Madjer). De 1985 a 2014 vão quase 30 anos. O departamento de prospecção do FC Porto continua a trabalhar mais e melhor do que os outros em Portugal, a estar atento a mercados desconhecidos, seja em França, seja na Colômbia, seja no Japão, seja aqui ao lado no país vizinho. Um caso de excelência a nível internacional, sem dúvida. E nestas coisas é como sempre digo: com a prata da casa ganham-se campeonatos. Quando à prata da casa se juntam um ou dois génios – Madjer, Futre, Deco, Hulk, Falcao – ganham-se títulos internacionais.
Os tempos são outros e Brahimi não ficará certamente tantos anos na Invicta como Madjer. E mesmo esse saiu em 1988 para tentar a sua sorte em Valência, embora sem sucesso, retornando à casa onde foi mais feliz (50 golos em 108 jogos dizem tudo para alguém que não era ponta-de-lança). No entanto, Brahimi já vai dando alegrias aos sócios portistas, com os seus dribles endiabrados, as suas mudanças de velocidade repentinas, o seu corpo a girar como se fosse de plasticina (a já famosa "rotação à Brahimi", como refere e bem o Tribunal do Dragão AQUI), aquela alegria no olhar, empolgante na forma como corre e se dirige rápido para a baliza, parecendo querer sempre mais. É um artista, um homem que nasceu para encantar a plateia, estando destinado aos mais altos voos do futebol mundial.
A pergunta que se coloca na cabeça do portista é só uma. The Winter is coming e com ele virá a chuva, a lama, os pitons dos laterais à mostra e os carrinhos na dobra dos centrais. A cal da lateral começará a queimar e a sujar os calções, as meias ficarão pretas e enlameadas, a chuteira não vai ser um Michelin pregado à estrada. E a bola virá despachada de longe, em balão, difícil de dominar embrulhada na chuva e vento incessantes. Vêm aí os jogos nos batatais, as caneleiras vão ser úteis e mesmo assim vai doer. Treinar de manhã ao frio e sob o cacimbo nortenho não vai ser pêra doce. Os duros meses começam agora. Então surge a pergunta fatal:
But can he do it on a cold, wet Wednesday night in Stoke?
Winter is coming.
E o Mielcarsky, que era o Miguel Castro.
ResponderEliminarJá agora, o golo em 1982 foi contra a RFA, e não a RDA.