15 outubro, 2015

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (E UMA BORRACHA SALTITANTE).

http://bibo-porto-carago.blogspot.pt/


A modos que é assim. Todos os que me conhecem que o sabem. Todos os que me conhecem pouco ou mal também. Salta aos olhos, é gritante, tal e qual a corrupção activa dos árbitros e instâncias que se pratica no rival ésseélebê através de caixas e paparocas. É incurável, é perceptível, é grande e nada há a fazer. O raio do puto de caracóis loiros e de asas brancas de que vos falava em Fevereiro sabia o que estava a fazer naquele dia e àquela fatal hora. Das duas, uma. Ou disparou usando uma seta com dose maior do que a normal ou eu tinha o mecanismo de defesa do organismo muito permeável e fragilizado*. Inclino-me seriamente para a primeira hipótese.

Porque me bateu forte, tão forte a coisa. Alterou-me o estar, o ser, o ver, o falar, o meu rir e o meu chorar. É dedicação excessiva, é mania, chamem-lhe (chamam-na!) obsessão. É doença. Reconheço isso. Não é difícil. Nem preciso de o comprovar ao espelho à procura de sintomas exteriores. “És doente!” Serei doente. Sei-o. Mas douro a pílula e tento contornar, pela positiva, convencendo-me que sou apaixonada, devota, ferrenha e entusiasta. Talvez demasiado. OOoooops.

Há quem me ache graça. “Uma menina/miúda/mulher a gostar e a perceber tanto de futebol?!” Há quem me ache um fenómeno. “Uma menina/miúda/mulher a gostar e a perceber tanto de futebol?!” Há quem me ache um misto destes dois. Há quem pense que deveria ser proibido, por ser anti-natura. Há quem fique orgulhoso e que simultaneamente se arrependa do dia em que me começou a levar pela mão a todos os santos jogos. O meu pai. Que me vê como um perigo à solta, bomba prestes a detonar, provocadora de crises conjugais. Há quem me veja como fanática e fundamentalista. O meu santo e islâmico marido, por exemplo. Que nunca compreendeu, compreende ou compreenderá a adoração arrebatada que tenho pelo meu clube. Acho que nunca recuperou do trauma que lhe foi infligido há uns anos atrás quando o canalizador reparava umas cenas lá em casa e precisou de jornais. E ele, voluntarioso, foi buscar uma pilha deles, dizendo ao homem que jornais não faltavam. O fulano, ao ver montes de jornais desportivos, ter-lhe-á dito: “Estou a ver que gosta muito de futebol”. Ao que ele terá replicado: “Não sou eu. É a minha mulher”. Não entende. Censura. Acusa. Mal dele. Que se lixe. Eu sou Portista, ele é mouro. Isso diz tudo. A diferença de real nível. A enormidade do fosso que nos separa em todas aquelas vezes. Temos pena. Temos pena e temos sarilhos porque ultimamente, o sujeito - fiel à inteligência e coerência suprema que sempre atribuí à raça moura - entrou numa de provocações néscias e vive uma espécie de Primavera Árabe, por força dos últimos títulozinhos conquistados**. Como tal, não é assim tão raro que me salte a tampa e que tente tirar desforço, ansiando servir em prato debruado a abundante ouro, fria - gelada! – a vingança. Tem sido gira a coabitação cá em casa. Muito gira. Temos tido momentos gloriosos. Alternando: ora num clima de paz podre, ora em clima de guerra fria. Sou doente.

Os últimos desgostos têm-me feito pensar. Rewind rápido até à época passada, jogo frente ao Vitória que jogava em Guimarães. A roubalheira pornográfica que sabemos. Ganhámos o jogo mas saímos de lá apenas com um empate. Ouvia o relato. A filhota ao meu lado, entretida a fazer outra coisa, talvez a desenhar. Estava possessa. Eu. A criança de 12 anos a olhar para mim. Algo descrente, algo assustada. A repreender-me. A fazer-me um desenho. “Mamã, não podes continuar a ver os jogos dessa forma. Ainda te dá qualquer coisa no coração. Mamã, é só futebol. Eu também gosto do Porto, mas é só um jogo”. Ora bolas. Caí em mim. Senti vergonha, reconheci-lhe razão, dei o braço a torcer e garanti-lhe a ela e também a mim mesma que iria tentar domar o meu entusiasmo***. As minhas reações. Sou doente. Doente, sim, mas… Será desequilíbrio? Fanatismo?

A palavra assusta-me, confesso. Afinal, o que ganho eu com isto? Com este tremer que me tira do sério? Com o subir pelas paredes para logo cair com estrondo, com a ascensão aos céus e a saída de mim? De mim, que sou lúcida, equilibrada, simpática, porreira, que sei ver as coisas, que me consigo distanciar de uma qualquer realidade, e reconhecer quando estou errada e outros têm razão, remover pálas sempre que é necessário, sempre que o assunto o justifica. Quero, exijo ser justa. Isto na vida terrena e terráquea. Serei assim, conseguirei ser assim no futebol (o mesmo se aplica ao hóquei em patins, ao basquetebol, ao andebol)? “Sim, consegues”, diz-me alguém em surdina. Na verdade, não o sei. Quero dizer, se um penalty não é penalty, se uma falta é erradamente assinalada, se um golo em fora-de-jogo é (mal) validado… eu consigo perfeitamente ver isso, #semfiltros, e assumir. Sozinha. Eu gosto de vencer e convencer. Com justiça e brio. Alto e bom som já é mais difícil, nomeadamente quando o meu interlocutor é do género apapoilado. Não merece uns simples bons dias quanto mais um momento de honestidade destes. Com estes, quero é ganhar. Nem que seja à bruta e com golo em off-side no último nanossegundo dos descontos.

“És doente!”, “És fanática!” Não sei. Não sei, mesmo. Serei? Serei. Não há um minuto de sossego nesta vida. Empatamos? Não penso noutra coisa. Perdemos? Quero ir ali cortar os pulsos ou simplesmente não falar com o mundo, cruel que ele é. A greve de fome também adquire contornos fofinhos, não fosse a dolorosa sensação de estômago vazio. Ganhamos? A alma voa. Na direcção do próximo jogo, da próxima vitória. “Esta ânsia de vencer // Não consigo controlar…”. Pode até tudo estar bem na outra existência paralela que levamos-e-que-é-remédio, mas se algo está mal no meu Clube, nada ou pouco faz sentido. Penso mais vezes no Clube por dia do que um homem em sexo. E isso diz tudo****. Arrumo a casa e entoo cânticos do Porto. Cozinho e solto gritos de claque, vejo determinados e circunspectos apresentadores/jornalistas na TV e insulto-os, com delicadeza é certo, mas insulto-os. Só porque não partilham da minha Fé Maior. A nossa equipa fica uns três/quatro dias sem jogar e sinto saudades. Fica uma semana sem jogar e sinto saudades. Duas semanas? Ai, tantas saudades. As férias dos jogadores e a espera da pré-temporada? Como que morro. O sol pode brilhar todo o dia, mas falta a luz***** dos meus olhos. Sinto-me incompleta. Definho.

A modos que é assim. Eu, doente, me confesso. Avassaladoramente doente me confesso. Sem tratamento, sem cura, oficialmente me confesso. Feliz! Pirada, ensandecida, viciada, doente? Check, check, check, check, CHECK! Sim, mas é às minhas custas.

E por ti, Porto.

* Tive sarampo por essa altura.
** Também pode ter batido com a cabeça.
*** Ainda sem sucesso visível.
**** Digo isto do estereotipado ponto de vista feminino, logicamente. Não imagino como será o dia de um homem Portista ou qual o rácio nesta matéria.
***** (Dragão!!!)

15 comentários:

  1. Eu, doente, me confesso.
    Revejo-me na integra neste texto, porque sim, também me considero doente pelo meu clube. Claro que tento abafar publicamente o caso, tento ser comedido e expressar-me de modo a parecer uma pessoa fria e coerente, mas no fundo, bem lá no fundo, aquilo fervilha. O coração está sempre a 200 ou mais por cento, quer no bem, quer no mal, mesmo que não o manifeste, especialmente quando estou rodeado daqueles que me conhecem. Sou um apaixonado pelo clube, que será se calhar a forma mais, digamos, fofinha de me classificar na relação com o clube, como diz e bem a escritora, mas no fundo, sou um doente. Não vivo sem FC Porto. Se as coisas estão mal, eu estou mal, se as coisas estão bem, eu estou fantástico. Há esta simbiose entre o clube e o meu estado de espirito. Não existe forma de separar as coisas e, quem convive de perto comigo, tem que arranjar forma de me aturar, porque eu não consigo. Nem a mim mesmo. Sou assim, não consigo ser de outra forma e, se me perguntasse se queria ser de outra forma, a resposta está bem aqui, na ponta da língua: não, não queria. Sou assim, gosto de ser assim, doente, doente pelo meu clube.
    Parabéns, está um texto fantástico, como sempre e que, estou certo, quase todos nós, leitores, se identificam com ele.
    Excelente, parabéns!

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  2. Texto 5 estrelas como sempre!

    Hugo

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  3. H Rocha Acores15 outubro, 2015

    Sinto me também assim ..... Abraço e saudações PORTISTAS

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  4. Eu não sou doente. Sou Portodependente!

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  5. Tenho curiosidade em saber se irá aparecer alguém (Portista, obviamente!) que se assuma como não doente e que encare tudo com normalidade e total desportivismo. Abraços para todos.

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  6. Também estou condenado a... morrer, doente, pelo meu/nosso FC Porto!
    Bem, todos os hospitais do país, não terão capacidade para o internamento de tanto "doente"!
    BIBÁ DOENÇA! BiBÓ PORTISMO!

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  7. Excelente texto, como eu te compreendo, sofremos da mesma doença...

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  8. Eu doente me confesso...e quero continuar doente .excente texto parabéns Júlia beijocas

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  9. Adorei o texto e revi-me completamente!
    Sou uma Portista apaixonada (ou doente), nasci em Lisboa e esta paixão foi-me transmitida pelo meu pai que me levava aos jogos do Porto aqui no Sul.
    Tenho um marido (lagarto) que também não compreende esta doença, vivemos em Lisboa, portanto rodeada de rivais com os quais adoro defender o meu FCPorto.
    uma esperança para si, a minha filha aos doze, quando me via em frente á televisão a vibrar com o jogo, ofender o árbitro e os comentadores, fazia-me a mesma observação. Hoje aos dezanove está pior que eu!
    Doentes? Talvez...mas quando lá vamos as duas, equipadas a rigor, A1 acima rumo ao Dragão, já a entoar os cânticos,só pode ser paixão!

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  10. AMIGOS GRANDES AMIGOS AQUELE ABRAÇO DE PORTISTA

    TODOS NOS SOMOS PORTISTAS DOENTES. COMO NAS DOENÇAS EXISTE UMA INFINIDADE DE NOMES TAMBEM CADA UM DE NOS "SOFRE" DE PORTISMO CONFORME A SUA DOENÇA E OU NÃO MAIS GRAVE.
    A SITUAÇAO E ANALOGA MAS AO CONTRARIO COMIGO EU PORTISTA ELA MOURA EM RELAÇAO A MINHA FILHA ELA PORTISTA ELE MOURO. ESTAMOS BEM UNS PARA OS OUTROS EM PERFEITO EQUILIBRIO. NÃO HA CA INTRUSOS.
    A PROPOSITO DEU-ME GOZO OUVIR O NOSSO BERNARDINO BARROS DESCARCAR NO GUERRA. E DESTES QUE NOS PRECISAMOS
    FORÇA PORTO

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  11. Parabéns pelo texto! Revejo-me inteiramente no mesmo.

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  12. Cara amiga
    Como eu a compreendo. Mas sabe uma coisa? Respondendo ao seu desafio (nos comentários) eu consigo controlar-me. Acho que nunca fui “doente” no sentido que a minha amiga refere. Eu divido os 500 portistas que devem existir (sim 14 milhões de mouros, mais 4 de calimeros e uns quantos de outros clubes, deve ser o que sobra para nós) em 3 grupos: portistas “novos”, os que tem menos de 30 anos e não sabem outra coisa que não seja ganhar; os portistas “velhos” como eu com mais de 70 e fartámo-nos de perder e os “assim-assim” que não são carne nem peixe (uma metáfora para a coleção). O nosso grupo está vacinado. No último Encontro da Bluegosfera em Espinho, um dos temas era: “”A mística ainda existe?”. Um dos amigos presentes garantia que sim. Por mim dúvida. Amor acho que temos, “mística” é muito transcendental (esta é para o Jorge Vassalo. Kkkggr). Passámos 19 anos sem ganhar nada. Calcula o que custou?
    O seu texto é um delicioso exercício estilístico. Até a catadupa de adjetivos, “apaixonada, devota, ferrenha e entusiasta” ou “lúcida, equilibrada, simpática, porreira”, as cacofonias, “debruado a abundante ouro”, os pleonasmos, “subir pelas paredes” ou “terrena e terráquea”, ficam bem. A amiga por esse lado não tem uma doença. Tem um dom. Bem sei que teve o cuidado de escrever “doença” grifado. Nós entendemos.
    Confissão por confissão eu também tenho uma “doença”. Sou masoquista. Vejos os programas desportivos todos! Mas esses tem consequências nefastas. De noite, acordo aos saltos! Estou a brincar, claro.
    Já agora, os meus parabéns ao blogue amigo que teve a felicidade de a “descobrir”. Ficámos sempre à espera das suas crónicas (eu não gosto de chamar artigos).
    Bjinho

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  13. Obrigada a todos. Pela generosidade, identificação, camaradagem e sentido de solidariedade. Assim já não me sinto tão sozinha no mundo, nesta vida que escolhi para mim. :) Só doentes, menos um, o nosso José Lima, que disso nada tem. O que não tem em entusiasmo excessivo e doentio, possui em palavras bonitas e sempre generosas e gentis até demais. Obrigada pelo carinho. Já agora: o meu pai tem também mais de 70 anos e é tão "doente" como eu. Não extravasa é tanto.

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  14. Eu por mim, essa "doença" não é bem doença.
    É mais do que isso, é o coração palpitar PORTO, PORTO, PORTO, é o FC Porto a viajar pelas veias e artérias.
    O FC Porto sendo o nosso sangue. O nosso ADN.
    Em cada derrota, é como se essa corrente sanguinária ficasse presa.
    Em cada vitória, o nosso FC Porto interior explodir até a mais distante estrela.
    Desde pequeno fixando aquele símbolo mágico, imponente e imortal na retina e querendo interiorizar ainda mais Portismo.
    Belo texto mais uma vez MISS BlueBay.

    Abraços.

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  15. Miss Bluebay este é o sentimento que também tenho pelo nosso Mágico Porto. Na véspera do meu casamento para que não restassem dúvidas disse à minha futura e actual mulher que seria sempre o meu 12º amor, que 1º seriam sempre os 11 jogadores do Porto e ela não se importou :-). A minha mulher também é Portista mas lá está, não é doente e ainda bem ao menos sempre dá para equilibrar a casa quando as coisas correm menos bem.(Graças a Deus que não nasci lampião)

    QUE BONITO É
    ESTE NOSSO AMOR
    JÁ NASCI ASSIM
    PORTO ATÉ AO FIM...

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