16 fevereiro, 2010

3 comentários:

  1. Do cego...

    É uma imagem fantástica, de uma candura que inquieta — a do cego na poesia de Jorge Luís Borges: Estou só em casa, olhando-o e não há nada no espelho.

    É uma lei da vida do futebol, destino cruel, talvez — o dos árbitros que num instante breve, uma ou outra vez, acabam por ficar assim: sós em casa, olhando-o, sem nada no espelho. Todos. Nélson Rodrigues achava que disso se alimenta a paixão que se agita no lusco jogo que é a alma de todos nós: «A arbitragem normal e honesta confere às partidas um tédio profundo, uma mediocridade irremediável. Só o juiz gatuno dá ao futebol uma dimensão nova e, se me permitem, shakespeariana. O espectáculo deixa de se resolver em termos especificamente técnicos e tácticos. Passa a ter uma grandeza específica e terrível. Eis a verdade: o juiz ladrão revolve, no time prejudicado esse fundo de insânia, de ódio, que existe, adormecido, no mais íntegro dos seres. E o mínimo que nos ocorre é beber-lhe o sangue.»

    Eu acho que não — e portanto há coisas que me abalam mais. Por exemplo, ver que o pior cego é o que consegue ver Paixão em aceitável árbitro sem lhe conseguir ver erros e despautérios incríveis, injustificáveis, sucessivos, recorrentes — de que o penalty de Rúben Micael no Leixões-FC Porto foi apenas mais um, desconcertante. E nesses casos o que me ocorre não é beber-lhe o sangue — é sentir-lhe pena. Pena, sim — porque a culpa não é das 23 dioptrias (para não pensar coisa pior...) do tragicómico Sr. Bruno, da sua falta de classe ou de personalidade — a culpa é de quem insiste em mandá-lo fazer o que ainda lhe manda fazer, sem notar que são vezes de mais as vezes em que ele olha, exibicionista, pimpão, para um lance e o decide pior do que se estivesse só em casa, olhando-o, sem nada no espelho - e nada lhe acontece...

    António Simões n' A Bola.

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  2. Tudo isto existe, tudo isto é triste

    1 Olhei para o Estádio do Mar, pouco depois do jogo começar: campo pequeno, relvado impróprio para jogar bom futebol e a favorecer quem defende. Público da casa que apenas queria ver a sua equipa bater o pé ao «grande», jogasse como jogasse, equipa disposta a fazer-lhe a vontade, recorrendo a todos os truques do anti-jogo que vêm nos compêndios, árbitro conhecido pela sua paixão benfiquista e pelos danos causados ao FC Porto ao longo dos tempos. Estavam reunidas todas as condições para o FC Porto encostar. E encostou.

    Segundo os critérios de Olegário Benquerença, exibidos no Sporting-Benfica para a Taça da Liga, José Manuel, do Leixões, deveria ter sido expulso aos 7 minutos, quando entrou por trás e a varrer Rúben Micael, deixando-o diminuído fisicamente para o resto do jogo. Mas claro que eu sabia que os critérios disciplinares do nosso único árbitro mundialista não valem para todos — todos os árbitros e todos os clubes. Basta lembrar-me do que tantas vezes acontecia no tempo em que era permitido ao Hulk jogar em Portugal, quando, mal o jogo começava, se percebia que havia adversários que vinham com instruções de o tentar arrumar ou intimidar logo de início — e os árbitros nada, nem um amarelo.

    Nomear os mais conhecidos árbitros benfiquistas (casos de Lucílio Baptista ou Bruno Paixão) para jogos do Benfica, do Braga ou do FC Porto, quando o campeonato entra na sua fase decisiva, não é apenas falta de senso, é também falta de maneiras. Até porque eles, sobre serem benfiquistas, não se distinguem de forma alguma pela sua qualidade técnica. Restam, pois, as consequências previsíveis: nos últimos dois jogos em que perdeu pontos para o Benfica e Braga, o FC Porto empatou com o Paços de Ferreira depois de ter visto um golo magnífico e limpíssimo de Falcao ser anulado, e empatou com o Leixões depois de ter visto Bruno Paixão fazer vista grossa a um penalty sem história, cometido cinco metros à sua frente e à sua vista. Entretanto, também o Benfica empatou em Setúbal, com um golo limpíssimo anulado ao Vitória. Nem é preciso andar mais para trás nas contas: cinco pontos valem um campeonato, valem uma época, valem milhões da Liga dos Campeões.

    2 Como já aqui escrevi a propósito desse jogo com o Paços, tenho muito respeito pelos clubes pequenos e não esqueço que eles competem com os grandes em condições objectivas de desigualdade. Mas isso não é um pretexto para que renunciem à partida a competir e se refugiem num anti-jogo que é uma ofensa a quem paga bilhete para ver futebol. Se é para dar espectáculos destes que querem estar na primeira Liga, mas valia não estarem. Mais valia que a primeira Liga tivesse só doze clubes, a jogar em duas fases, como há muito defendo.

    Porque uma coisa é jogar à defesa e em contra-ataque, recuar as linhas, dar a iniciativa e a despesa de jogo ao adversário mais forte. Outra coisa é entrar em campo direitos às canelas dos adversários, criar um clima constante de contestação de todas as decisões dos árbitros por mais inócuas que sejam, defender com dez jogadores dentro da área ou, como fez o Leixões, ter seis jogadores assistidos no relvado, por pretensas lesões, apenas na segunda parte (!). Dizia um jogador leixonense, no final, que já tinham assimilado os «princípios de jogo» do novo treinador. Bem, não é difícil: com «princípios» daqueles, qualquer um é treinador e qualquer um se consegue imaginar jogador.

    Façam o choradinho que quiserem, esta é a minha opinião: futebol assim, com campos e relvados daqueles, árbitros que protegem o anti-jogo e os sarrafeiros, não vale a pena esperar por público nas bancadas. Eu sei bem porque fico em casa.

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  3. (cont.)

    3 Já está ultrapassada a barreira dos dois meses da «suspensão prévia» do Hulk e do Sapunaru, por pretensos acontecimentos, falseados enquanto possível, e que, já deu para perceber que não justificavam sequer um jogo de suspensão. Já foram vistas e revistas as imagens, ouvidos os intervenientes e testemunhas, produzidos os relatórios de quem de direito, já nada há que obste a uma decisão. Apenas a vontade de demorá-la o tempo conveniente para que depois a duração do castigo coincida com a suspensão preventiva. Entretanto, o FC Porto tem encostado o mais caro e o mais perigoso jogador do seu plantel e vai perdendo pelo caminho, e com a ajuda das arbitragens, os pontos necessários para cavar uma distância que garanta que, quando o Hulk regressar, já será tarde. Todos os dias se acrescenta mais um dia a esta vergonha pública, perante o silêncio da nossa imprensa desportiva, que aceita passivamente que o CD da Liga possa retirar do campeonato aquele que, na última temporada, foi considerado o seu melhor jogador.

    Há dias, o «Diário de Notícias» trazia uma sondagem para responder à seguinte pergunta: «O campeonato tem sido alvo de várias polémicas. Como acha que vai ser decidido?». Respostas: 31,3% responderam «pelas arbitragens»; 26,3% responderam «nos túneis»; e apenas 25,7% responderam «no campo». Eis ao que chegámos.

    4 O Fernando Guerra pode, pois, tomar nota desde já: dificilmente os portistas e os bracarenses irão reconhecer o mérito de um campeonato ganho pelo Benfica nestas circunstâncias.

    E, já agora, respondendo à sua extraordinária declaração de que «em mais de 50 anos não conseguiram os partidários do dragão descortinar uma relação entre feitos desportivos do Benfica e eventuais favores de arbitragem», lamento desapontá-lo, mas, por acaso e para não ir mais longe, basta lembrar as circunstâncias em que o Benfica venceu os seus dois últimos títulos: a Taça da Liga, da época passada, ganha ao Sporting de maneira tal que passou a ser conhecida na gíria por «Troféu Lucílio Baptista»; e o último campeonato ganho, o do Trapattoni, em que nos últimos dez jogos todos os golos dos encarnados aconteceram de penalty e livres inventados ou duvidosos à entrada da área (lembro-me bem do penalty decisivo, no último jogo no Bessa, que foi dos mais anedóticos que já vi assinalado). O Fernando Guerra atreveu-se a sugerir que já só faltava limpar a «lenda» do Calabote, para que meio século de arbitragem ficasse virgem de favores feitos ao Glorioso. Tarefa difícil, essa de fazer esquecer os Porfirios e os Valentes ou os contemporâneos Lucílios e Paixões.

    5 Ansiosa por deitar poeira para os olhos dos que não andam cegos, a imprensa benfiquista pretende que o Braga só venceu o Marítimo graças a um golo irregular. De facto, no início da jogada, a bola esteve fora da linha lateral, mas pretender que isso teve relação directa com o golo é mais do que má-fé: entre a saída da bola e o golo decorreram uns trinta ou quarenta segundos em que a bola passou por uns seis jogadores e poderia ter sido umas três vezes definitivamente afastada pelos jogadores do Marítimo antes do belíssimo pontapé fatal de Luís Aguiar. Por este critério de causa-efeito, dificilmente se encontrará um golo que, na sua génese, lá atrás, não tenha tido alguma coisa de irregular. O que se pretende aqui, como bem sabemos, é preparar o terreno para os devidos fins.

    6Amanhã o Arsenal e domingo o Braga. Duas equipas que equipam de igual, dois adversários terríveis. É a altura decisiva da época para um FC Porto atípico, mas que, mesmo assim, é neste momento a única equipa da Europa que, tendo já vencido uma das competições em que participou (Supertaça), continua a disputar, e com a vitória ao alcance, todas as outras: Liga dos Campeões, campeonato nacional, Taça de Portugal, Taça da Liga. E é nestas alturas que o FC Porto se costuma agigantar.

    Miguel Sousa Tavares n' A Bola.

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