E o Azul e Branco coloriu o País...

assistência: 50.309 espectadores.

árbitro: Artur Soares Dias (Porto), Rui Licínio e João Silva; Cosme Machado.

FC PORTO: Helton; Fucile, Rolando, Bruno Alves «cap» e Cissokho; Tomás Costa, Fernando e Raul Meireles; Mariano, Lisandro e Rodríguez.
Substituições: Tomás Costa por Farías (46m), Fucile por Sapunaru (75m) e Raul Meireles por Andrés Madrid (81m).
Não utilizados: Nuno, Pedro Emanuel, Stepanov e Hulk.
Treinador: Jesualdo Ferreira.

NACIONAL: Bracali; Patacas «cap», Maicon, Felipe Lopes e Alonso; Leandro Salino, Cléber e Luís Alberto; Ruben Micael; Nené e Mateus.
Substituições: Ruben Micael por João Aurélio (54m), Luís Alberto por Fabiano (59m) e Leandro Salino por Miguel Fidalgo (80m).
Não utilizados: Douglas, Bruno Amaro, Haliche e Nuno Pinto.
Treinador: Manuel Machado.

disciplina: cartão amarelo a Nené (20m), Felipe Lopes (31m), Lisandro (34m), Patacas (90m), Raul Meireles (90m), Fucile (90m), Cissokho (90m).

golos: Bruno Alves (48m).

Depois de um curto, mas retemperador, período de férias, ansiava pelo regresso. A tensão, aquela que nos corrói as entranhas, aumentava, umbilicalmente ligada à aproximação do jogo. O encontro que, para todos os que comungam este ideal, constituiria o ponto final numa árdua luta. Batalhas travadas, semana após semana, defendendo o símbolo brasonado do Dragão. E, tal como na história do pote de ouro escondido no fim do arco-íris, a nossa recompensa estava ali, à distância de 90 minutos.

Gosto sempre, nestas ocasiões, de me isolar, durante o período que antecede os jogos decisivos, numa hibernação reflexiva. Saboreio os passos todos, desta longa caminhada, muitas vezes uma espécie de via-sacra, repleta de provações, a que vamos resistindo, amparando os golpes do destino, um após outro.

Nesse espaço de tempo, revivo emoções passadas. Os gritos de júbilo, soltados em Kiev, quando a bola empurrada mansamente por Lucho se anichou nas redes ucranianas, resgatando-nos de um período negro de 3 derrotas. Ou o gáudio sentido, no épico jogo de Alvalade, equipa unida, dentes cerrados, emergindo no mar revoltoso de camisolas a figura imperial de Bruno Alves. Para melhor sabermos para onde vamos, nada como se sentir de onde se veio, o caminho que foi calcorreado. Desse trilho, fazem parte indissociável as derrotas. Amargas. Frustrantes. Decepcionantes. Mas que fazem crescer os campeões.

Em Londres, na cinzenta e cosmopolita capital britânica, os comandados de Jesualdo Ferreira viveram a noite mais tenebrosa da temporada. A humilhação, secundada por risos alarves dos adversários, mais do que beliscar o orgulho tripeiro, solidificou a têmpera de um grupo de trabalho que não se abate. Soçobramos, naqueles fatídicos minutos. Mas, qual Fénix renascida, pese a tormenta que se abateu posteriormente, regressamos decididos. Fortes. Pujantes.

Ponto a ponto, o sonho acalentado meses a fio ficou à nossa mercê. E, a Invicta, essa cidade cantada por poetas, sempre perene, com o seu brio indomável, engalanou-se. Não um. Nem dois. Mas milhares. Pessoas de todos os credos, raças e religiões, confluindo para aquele local de culto, que se destaca na urbe de cimento. O palco de todos os sonhos. O anfiteatro das emoções. Lá, 50.000. Um pouco por todo o Mundo, muitos mais. Milhões. Corações pulsando a um ritmo mais elevado. Ansiedade crescente. Agarrados a rádios de pilhas, nas ex-colónias, ou vendo o jogo num qualquer televisor de imagem repleta de grão. Mas sentindo, nos seus corações, aquele calor próprio da fé. Que nos alimenta. Angola. Moçambique. Cabo Verde. Estados Unidos. Brasil. Macau. Inglaterra. Em cada canto, um olhar brilhante, resplandecente de felicidade. A diáspora portista, independentemente do fuso horário, prestes a colocar mais um pontinho no palmarés do clube idolatrado. 24º título.

Para isso, para soltar o grito esperado de “CAMPEÕES”, faltava o Nacional. Equipa sólida, bem orientada, realizando um campeonato excelente. Adversário duro, digno, procurando ainda o sonho do pódio. E o Porto, no limite da exaustão física, vestindo mais uma vez a armadura do guerreiro, antes de nova batalha.

Foi um jogo difícil. E o adjectivo utilizado não cedeu à tentação do lugar-comum. Foi mesmo complicado. O Porto entrou bem. Procurando os flancos, onde um Mariano galvanizado empurrava literalmente a equipa para a frente, fazendo da velocidade a sua arma principal, os dragões procurando desde o apito inicial o golo.

Do outro lado, opositor cínico, os madeirenses aguentavam as investidas, nunca se coibindo de atacar. Não sendo um encontro de sentido único, o perigo rondou sempre mais vezes a baliza de Bracalli, através dos malabarismos do trio mais ofensivo [Lisandro, Rodriguez e Mariano], suportado pelas inúmeras acções atacantes de Cissokho. Lá atrás, Fernando fazia o habitual papel de formiguinha trabalhadora, acorrendo a todos os focos de potencial perigo. Helton, tranquilo, com as balizas invioláveis nos últimos encontros, afastava os lances de maior assédio.

O estádio fervilhava. Impaciente. Disposto a comemorar. A soltar aquela ânsia, a dissipar a aflição. O intervalo chegou, com o marcador ainda em branco. Tempo para soltar umas imprecações, para afastar os demónios interiores, muitas vezes na companhia de um cigarro e da sua aliada nicotina.

Começou a segunda parte. E naquele momento, no pontapé de inicio das hostilidades, vi Meireles a conversar com a bola. A sério. Não que o médio portista padeça de algum problema cognitivo. Mas vislumbrei-o a murmurar algo para o couro. A sussurrar palavras de conforto. Pegou nela. Afagou-a, carinhosamente. Depois, como se lhe conferisse o poder da visão, rodou-a. Para que o esférico pudesse ver. As bancadas repletas. A multidão sôfrega. A relva brilhante. O palco majestoso. A magia única, singular, de um local de beleza trascendente. Depois, colocou-a meigamente no chão, trocando com ela um último afago. Pareceu-me ouvi-lo dizer: “sabes o que tens que fazer. Para onde dever ir. Eles [e aqui apontou para o adeptos] merecem”.

E ela, boa aluna, aprendiz convicta, soube incorporar o sentido de justiça necessário, naquele breve diálogo com o carismático jogador portista. Aproveitou a primeira oportunidade. E retribuiu a gentileza das carícias. Sobrevoou a área do Nacional, sentindo o vento fustigar-lhe a superfície áspera. Desceu, de forma indolente, ao ver o capitão dos Dragões. Os seus longos cabelos pretos, o ar determinado, o corpo musculado ganhando terreno. A cabeçada vitoriosa, empurrando a bola para as redes contrárias. E a festa começou.

Allez, Porto Allez
Nós Somos a Tua Voz
Queremos Esta Vitória
Conquistada por Vós

O jogo não tinha ainda terminado. Foi necessário sofrer, perante o arreganho do adversário. Lutar, com todas as forças. Caiu mais um, no cumprimento do dever. Fucile, pela enésima vez. Uma corrida, uma tentativa em esforço de cortar um lance. Mais uma lesão. Jesualdo recorreu a Sapunaru, procurando estancar as brechas criadas pela velocidade de Mateus. Minutos depois, Meireles, ressentindo-se do esforço de uma época desgastante. Era, sentia-se, um Porto no limite. Mas, ainda assim, capaz de deixar a pele em campo.

A contagem decrescente começou. 3 minutos. Olhares ansiosos para aqueles ponteiros que teimavam em avançar, tão devagar. 2. O corpo, incapaz de obedecer, repleto de um formigueiro intenso. 1. Apenas mais 60 segundos. E, depois, o grito que se guardou no peito, uma época inteira.

CAAAAAMMMMMMMMMPPPPPPPEEEEEEEEEÕÕÕÕÕÕEEEESSSSSSSS!

Senti-me em paz. A sensação de dever cumprido, a energia que se esvai, depois de tanta tensão. Emocionado, como em todas as vitórias. Imensamente orgulhoso. Hoje, data histórica [mais uma] não há o melhor em campo. Sem destaques individuais, que me parecem desajustados, numa altura de comemorações. É a força do colectivo que merece ser elogiada. E quem melhor do que a voz inconfundível, mítica e imortal de Freddie Mercury, com os versos habitualmente ouvidos em alturas destas, quase como se escritos propositadamente para nós:

I've paid my dues
Time after time
I've done my sentence But committed no crime
And bad mistakes I've made a few I've had my share of sand kicked in my face

But I've come through
We are the champions
my friends And we'll keep on fighting
till the end

We are the champions
We are the champions
No time for losers
'Cause we are the champions - of the world -