26 março, 2008

Fica Quaresma!

‘Nortada' do Miguel Sousa Tavares

Quaresma, não escutes o canto das sereias.

Como era de esperar, a imprensa lisboeta já se atirou às canelas e ao destino do Ricardo Quaresma, como pittbull à garganta de uma criança. Querem por força que ele se vá embora esta época. Querem, acima de tudo, vê-lo longe do FC Porto. Eu compreendo-os: é o sonho de qualquer benfiquista ou sportinguista, jornalista ou não. É assim ciclicamente com todos os grandes jogadores do FC Porto, os que desequilibram campeonatos a favor do norte: Anderson, Pepe, Deco, McCarthy, Ricardo Carvalho, etc, etc. Em Novembro e por esta altura do ano, é fatal que se relance uma campanha muito pouco subtil, cujo mote é sempre o mesmo: «O FC Porto não vai poder segurar o jogador». Se o jogador em causa não sai no «mercado de Inverno», como eles tanto desejavam, tratam logo de reforçar a campanha para se certificarem de que sai no Verão. A insistência no mote da campanha leva as três partes envolvidas — jogador, direcção do clube (leia-se Pinto da Costa) e sócios — a tomarem como inevitável a saída. E, quando o inevitável se transforma, enfim, em certeza, os instigadores suspiram de alívio. Esta é a primeira coisa que eu queria dizer agora ao Quaresma: a sua saída «inevitável», já, já, no próximo Verão, faz parte de uma campanha montada pelos adversários do FC Porto. Isso, por si só, não pode determinar a sua decisão — que será sempre legítima — mas é bom que tenha consciência disso.

Conheci o Ricardo Quaresma há cerca de três anos, no Porto. Eu estava a cear com o meu grupo de «amigos das scooters», depois de regressarmos de um jogo no Estádio do Dragão, onde, mais uma vez, o Co Adriaanse tinha deixado o Quaresma no «banco», com o aplauso de grande parte da crítica — a mesma que agora só quer é vê-lo pelas costas. Ao contrário, eu já tinha escrito aqui algumas vezes que entendia que deixar um génio como ele no «banco» era uma decisão prepotente e idiota. Sempre me afligiram os treinadores que têm medo dos jogadores talentosos e lhes preferem os tacticamente disciplinados. Por coincidência, a discussão na mesa, entre uma dúzia de portistas ali reunidos, era exactamente acerca disso e eu estava em minoria: a maioria concordava com Adriaanse — que o Quaresma não defendia, que era vaidoso, indisciplinado, individualista, sem sentido de jogo colectivo e por aí fora. E eu, que sempre insisti em ter uma noção talvez demasiado romântica do futebol, respondia que o génio não tem de prestar tributo nem ao colectivo nem à disciplina, ou não seria génio. E eis que se chega à mesa um outro portista que eu conhecia de outras andanças e me vem dizer ao ouvido que, na sala ao lado, estava o Ricardo Quaresma, que me queria falar. E lá fui, sem dizer nada à mesa. Encontrei-o em pé, virado contra uma parede, como se tivesse vergonha do mundo. Começou por me agradecer o que tinha escrito sobre ele, dizendo que era quase a única pessoa a defendê-lo, mas que o seu desespero e desmotivação por estar afastado do campo era tanto que só pensava em ir-se embora. Obviamente, respondi-lhe que tivesse paciência, que não tinha uma dúvida que a sua hora iria chegar e que, nesse momento, ele deveria estar preparado para dar a resposta em campo, porque ele era o melhor jogador do FC Porto e a verdade vem sempre ao de cima. Mas impressionou-me tanto a sua humildade, o seu ar de criança a quem tinham roubado a bola para jogar, que não resisti a pedir-lhe que viesse comigo até à mesa, para lhe apresentar uns amigos. Ele foi e demorou-se uns minutos, os suficientes para que a sua timidez tivesse impressionado todos, e para que, quando se foi embora, eu pudesse perguntar, triunfante:

— Então, continuam a achar que um dos defeitos dele é ser vaidoso?

Dois meses depois, e em estado de necessidade, Co Adriaanse decidiu-se a meter o Quaresma em jogo por três vezes consecutivas, embora nunca a mais de vinte minutos do fim: e, das três vezes, o Quaresma resolveu-lhe três jogos que estavam emperrados. Daí até aqui, foi o que se sabe, embora, pelo caminho, ainda tenha tido de enfrentar a pesporrência do selecionador Scolari, que o deixou de fora do Mundial da Alemanha, no ano em que foi considerado pela crítica o melhor jogador do campeonato português, e a perseguição da Comissão Disciplinar da Liga, que insistia em ver nele um troglodita (como agora querem fazer do Bruno Alves). Daí até aqui, o Quaresma melhorou ainda muito mais o seu futebol e aprimorou o seu talento natural — porque, ao contrário do que os medíocres imaginam, o talento dá muito trabalho. As trivelas, os cruzamentos «de letra», a cobrança de livres, as fintas sobre dois adversários simultaneamente, tudo isso foi aprimorado por ele, inevitavelmente em horas extras de treino. E não é por acaso que é dos últimos a rebentar em campo, apesar de ser o mais massacrado jogador do campeonato português e da Liga dos Campeões. Juntou ao génio a seriedade profissional e só os ingratos ou ignorantes é que são capazes de achar que um génio tem de estar sempre inspirado e, por isso, são capazes de assobiar o Quaresma se as coisas não lhe saem brilhantes, mas acham natural que um jogador banal falhe habitualmente coisas banais. E por isso é que ele vale 40 milhões menos um euro, como disse Pinto da Costa e como eu escrevi aqui há tempos: dez milhões pelo seu futebol, outros dez pelo seu profissionalismo, mais dez pelo espectáculo à parte que proporciona e mais dez pelas receitas que o FC Porto perderá depois de o perder.

Compreendo que lhe assalte a tentação de experimentar o topo do Everest, onde o futebol são sempre estádios cheios, espectáculo garantido e ordenados de sonho. Mas comecemos por aqui: não sei quanto é que Ricardo Quaresma ganha no FC Porto, mas, se ganha menos de 125.000 euros por mês, dou-lhe já razão: comece por exigir isso, porque o merece. Se ganha isso ou próximo, então, pense bem: a vida em Espanha é duas vezes mais cara, em Itália três vezes, e em Inglaterra quatro — e, por aí, os impostos são a sério. E, depois, pense no seguinte: já não tem 18 anos, como tinha o Cristiano Ronaldo quando foi para o Manchester United, e só lá é que existe um Sir Alex Ferguson, que tem a ciência, a paciência e os meios para transformar meninos em grandes jogadores. Se sair agora para um dos tubarões europeus, o Quaresma vai enfrentar um grau de exigência imediata a que não está habituado — e ele deve saber o que isso é, porque já viveu a experiência no Barcelona e com resultados frustrantes que o levaram ao FC Porto. Por aqui, costuma dizer-se, e com razão, que o Sporting é o grande descobridor de talentos — (e um eles, não se cansam de lembrar os sportinguistas, é o próprio Ricardo Quaresma). É verdade, sim senhor. Mas, se o Sporting descobre talentos em idade juvenil, quem os transforma em grandes jogadores é o FC Porto. Se o Sporting descobriu o Quaresma, quem o «fez» foi o FC Porto. Como fez o Deco, o Maniche, o Ricardo Carvalho, o Pepe e tantos outros. No FC Porto (eu sei porquê, mas não o digo), até um jogador banal se transforma num bom jogador. O Ricardo Quaresma deve meditar se vale mais ser conde no exílio ou Príncipe na Pátria. Até, porque — último argumento — a Pátria tem coisas que lá fora não vai encontrar. Tais como cervejarias onde, depois dos jogos, os admiradores de bancada não lhe vão cobrar o golo falhado contra o Schalke, mas sim agradecer todos os instantes de puro prazer que lhes deu. Fica-lhe tão bem o azul-e-branco, Ricardo! Pense nisso, antes de escutar o canto das sereias.

in jornal “A BOLA” de 2008.03.25
fonte: "Futebolar"

7 comentários:

  1. É uma crónica bonita de adoração ao Quaresma. Um genial jogador q mts vezes me irrita, outras vezes me delicia...

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  2. Delicia, irrita bla bla quando vi o titulo desta nem me dei ao trabalho de a ler. De adoraçao a Quaresma estou eu farta e da adoraçao do MST a Quaresma entao... Ele quase parece uma versao mais madura e masculina das miudas que vao ao Ct meter.se aos gritos quando o carro dele para...
    Desde que consigam manter a dupla L'L, ja fico mais e mais que satisfeita..
    Enfim

    Beijinhos de Paris minha maltaaa!

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  3. Meus amigos, este artigo do MST (como todos os outros, aliás) é simplesmente genial e presta uma muito mais k justa e merecida "homenagem" a um jovem jogador do qual sempre fui um grande admirador (ainda ele equipava de verde e branco) e que muito sinceramente é, na minha humilde, opinião um dos melhores jogadores de topos os tempos no nosso mágico FCP.
    Já agora fica aki um desafio ao Sr. administrador deste blog (bLuE bOy): que tal criar uma petição on-line para o Quaresma ficar no mágico FCP. É capaz de ser uma ideia engraçada e k dará ainda mais visibilidade a este excelente espaço. Sr. Presidente pense neste assunto que serei dos primeiros a assinar.

    Saudações azuis e brancas e viva o mágico FCP.

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  4. So assino essa petiçao se Lucho e Licha ficarem senao para mim podem dar os 40 milhoes e leva.lo...
    Sou das pessoas que nao leva ninguem ao colo, reconheço o seu bom trabalho é verdade como esconder isso?Quaresma é um genio mas sou contra todos os aue insistem leva.lo ao colinho como fazem. E nao, para que nao hajam duvidas nao sou dessa massa assobiativa.Acho ate isso repugnavel. Mas nao coaduno com o aparar de coisas que se fazem a Quaresma... Bah ja tou farta de dar a minha opiniao sobre este assunto começa a ser repetitiva lol
    Digamos que antes dessa petiçao façam uma para manter Lucho e Licha e Assunçao esses sim acho que devm mm permanecer...

    Beijinhos da Ta_8 directos de Paris!

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  5. Com quaresma a ficar e todos os outros, mais deco e um excelente defesa esquerdo para o ano o porto era campeão europeu... Mas desde que o professor Jesualdo perdesse o medo...

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  6. AHHAHAHAHAHA! 10 milhoes pelo "profissionalismo" de um jogador que tira a camisola contra os sócios, amua, insulta o treinador quando é substituido e diz que não é convocado porque ELE decidiu...só se for mesmo para rir! Espero bem que o Porto venda o Quaresma e MST aproveite pra se transferir para a Marca ou Gazzetta dello Sport com estas barbaridades...

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  7. Li isto 3 anos depois da publicação. Mas não podia estar mais de acordo com o que foi escrito na altura. E apesar de ser benfiquista tenho pela consciência de que o meu clube se quis "ver livre" do quaresma na altura mas que, muito provavelmente, não se importaria de o ter no clube!

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