06 fevereiro, 2011

Fernandito – Uma referência do hóquei em campo do FC Porto (1ª Parte)

http://bibo-porto-carago.blogspot.com/

Joaquim Fernando Ferreira da Silva, mais conhecido por Fernandito, foi um atleta de excepção do FC Porto, tendo representado o nosso clube durante cerca de 20 anos e competido em basquetebol e, principalmente, hóquei em campo.

Ainda nas camadas jovens sagrou-se Campeão Nacional de hóquei em campo (67/68) em juniores e Campeão Nacional de basquetebol (68/69) em juvenil.

Mais tarde, tornar-se-ia Campeão Nacional de hóquei em campo por 3 vezes (73/74, 75/76 e 77/78), tendo conquistado ainda 2 Taças de Portugal (79/80 e 80/81) já como treinador-jogador.

Entretanto, é com enorme prazer que vos deixo a entrevista com Fernandito (um “habitué” do Dragão Caixa), agradecendo toda a sua disponibilidade e simpatia, bem como a preciosa ajuda do Lucho (que soube conduzir a entrevista de forma brilhante) e do PedroPorto na realização da entrevista.


    ENTREVISTA EXCLUSIVA com Fernandito

    Em que ano é que vestiu a camisola do FC Porto pela 1ª vez?

    Oficialmente foi em 65/66 com a equipa de hóquei em campo. Mas comecei no clube de forma não oficial como atleta de futebol. Era defesa central no tempo em que o falecido Pedroto treinava os miúdos do FC Porto, antes de ser treinador documentado. Ainda tive como treinador na captação o falecido Pinga, Artur Baeta e Virgílio. Mas o meu 1º treinador, aquele que me deu umas botas de futebol, na altura não tinha 1,70 cm e era defesa central, foi o Pedroto que achava que tinha um grande futuro no futebol… Enganou-se (sorrisos).

    Oficialmente começou pelo hóquei em campo. Como é que surgiu essa paixão pela modalidade?

    Surgiu através do local onde eu vivia. Eu vivia em São Brás, o campo da Constituição era o meu local preferido de brincadeira…

    Era lá que o Porto jogava?

    Sim, hóquei em campo, andebol de 11, andebol de 7, hóquei em patins, basquetebol. Tudo era feito na Constituição, inclusivamente até havia treinos de futebol no tempo do Miguel Arcanjo que eram feitos na Constituição.

    Qual foi o jogo que mais o marcou na sua carreira de praticante de hóquei em campo?

    Negativamente foi quando falhei o 2º campeonato consecutivo de juniores. Positivamente foi o 1º título de juniores, uma alegria imensa, fora do normal. Depois fui-me habituando porque fomos tirando alguns títulos à equipa que detinha a hegemonia, o Ramaldense. E quando nos intrometíamos era fantástico. Éramos só nós e eles. Também recordo o 1º título de seniores e o momento em que fui convocado para a selecção nacional, no ano em que fui campeão nacional.

    Qual é para si a maior referência do hóquei em campo do FC Porto?

    O Sr. Carlos Pinto como dirigente. Como treinador o Miguel Coelho, que ainda foi meu colega de equipa. Um seccionista que me marcou mesmo muito, um dos primeiros chefes de secção, foi o falecido Fernando Margarido, sendo que na altura o director da secção era o actual presidente Pinto da Costa.

    Pinto da Costa começou pelo hóquei em campo?

    Sim. Era director da secção de hóquei em campo quando eu tinha 14 anos.

    E qual o melhor jogador com quem jogou?

    Carlos Silva do Futebol Benfica e Carlos Amaral, que foi meu treinador do FC Porto e que era um jogador fabuloso.

    Há pouco falou no Dr. Miguel Pereira. Qual a importância que ele teve nas modalidades do clube?

    Acho que foi o pai das modalidades amadoras nos anos 60’s, era uma pessoa fantástica. Inclusivamente foi ele que trouxe o actual presidente Pinto da Costa para o FC Porto. Achou que era um homem muito válido.

    Acha que nessa altura o FC Porto dava mais importância às modalidades amadoras do que dá hoje em dia?

    Era diferente. Hoje os atletas de alta competição que são os atletas das 3 modalidades (basquetebol, andebol e hóquei em patins) são semi-profissionais ou mesmo profissionais. Por exemplo, no meu tempo nunca ganhei um tostão e joguei mais de 20 anos no clube, inclusivamente fui treinador desde os juvenis e nunca ganhei nada. Eu tive um salário estipulado, que abdiquei dele quando fui para treinador com 28 anos para poder ter um preparador físico e dessa forma o clube pode ir buscar um preparador físico doutorado, o professor Manuel Botelho. Como sou portista e gostava da modalidade, pagava a gasolina, não tinha problema nenhum. Nunca usufrui de nada do FC Porto em termos monetários, nem de outro género qualquer.

    Como é que os sócios e adeptos aderiam à modalidade?

    Domingo de manhã o campo da Constituição era o passatempo para muito gente na altura. O campo da Constituição tinha actividade desde as 8h30/9h até às 13h com andebol, basquetebol e o hóquei em campo. Sábado à tarde e domingo o campo da Constituição estava cheio. Pessoas que gostavam imenso de hóquei em campo. Nós tínhamos um grupo de seguidores que nos acompanhavam de autocarro ou automóvel a Paços de Ferreira, Lamas, Santa Maria da Feira.

    Também jogou basquetebol?

    Numa fase mais miúdo e joguei numa equipa recheada de grandes jogadores, sendo a maior referência o Fernando Gomes, que foi administrador do FC Porto e que hoje faz parte da Liga Profissional de Futebol, que era de facto um jogador excepcional! Na altura que jogava não haviam triplos, mas se os houvessem era garantido que o Fernando Gomes seria um triplista fora de série.

    Sei que já não jogou em 1972 quando o FC Porto foi campeão com o Dale Dover. Mas chegou a assistir a algum jogo no pavilhão do Académico?

    Muitos jogos. Vi a estreia contra a Académica de Coimbra. Uma loucura, nunca tinha visto uma coisa ao vivo daquele género. Nós estávamos ali a ver qualquer coisa de fabuloso. Só os Globetrotters eram capazes de fazer qualquer coisa daquele género, mas aquele era em competição e era mesmo fabuloso.

    Qual a posição que ocupava no basquetebol e no hóquei em campo?

    No basquetebol era base, mas a minha função era muito específica. Era mais um jogador para defender. Eu considerava-me um jogador à Porto, normalmente o treinador apostava em mim quando era necessário marcar o jogador mais tecnicista. Eu jogava sempre com muita garra e intensidade, dava tudo o que tinha.

    No hóquei era dos jogadores mais habilidosos e jogava como interior esquerdo. Era um concretizador e tenho quase a certeza que fui o melhor marcador de todos os tempos do FC Porto.

    E, sendo duas modalidades tão distintas como é que foi conciliar o hóquei em campo com o basquetebol?

    São completamente distintas. Se calhar não devia dizer isto, mas na altura era um predestinado para o desporto. O próprio falecido Pedroto, quando eu comecei com 9 anos, dizia que eu ia ser um jogador fantástico e eu não passava de um menino com 1 metro e 50 e tal e tinha uma posição no campo que era defesa central, que era uma posição que precisava de rapidez, elasticidade, impulsão, salto e eu tinha isso tudo, era um indivíduo que jogava com uma paixão fantástica. Ainda hoje, em tudo o que faço na vida coloco paixão e sentimento.

    O FC Porto conquistou o seu último título em 1981 (Taça de Portugal), tendo encerrado a secção em 1989. Como foi para si esse dia?

    Dos dias mais tristes. Ver encerrar a secção de hóquei em campo, que era a minha modalidade, voleibol e outra que agora não me lembro, foi qualquer coisa de anormal. Foi uma tristeza muito grande.

    Nos últimos anos já havia uma certa decadência no clube relativamente a essa modalidade…

    Havia porque a modalidade mudou-se da Constituição para um campo onde hoje está o Dragão. Jogávamos num campo pelado atrás das piscinas e começou a faltar visibilidade, a apagar-se lentamente. Foi uma morte anunciada. Ao contrário do voleibol que acabou um pouco prematuramente.

    O que representou para si ter vestido a camisola da selecção nacional?

    Um grande orgulho mesmo. Hoje é muito mais fácil ser internacional, porque se eu digo que fui 6 vezes internacional isso representa ser o mais internacional da minha secção e do FC Porto. Portanto 6 vezes internacional foi qualquer coisa de extraordinário para a época.

    Ouvia o hino na altura?

    No campeonato da Europa realizado em 1974 em Madrid, sim.

    Jogou no apuramento para a Taça dos Campeões Europeus pelo FC Porto?

    Sim, um em Itália e outro na Suíça. Não fomos a um outro na Áustria por causa de dificuldades financeiras do clube.

    Vocês pagavam as viagens?

    Não, as viagens eram pagas pelo clube. Os jogadores jogavam graciosamente, mas também não pagavam nada. Só no último ano em que fui campeão é que o clube já não tinha poder económico para custear as viagens e a deslocação à Áustria ficou inviabilizada por ser bastante dispendiosa. Para exemplificar as dificuldades financeiras com que nos deparávamos lembro que ir a Lisboa jogar o campeonato nacional era quase um encargo do outro mundo para o clube. Nós ficávamos na casa do FC Porto em Lisboa na Avenida da República, onde ocupávamos as instalações da casa, onde tomávamos as refeições e, inclusivamente, dormíamos.

    Sendo o Ramaldense o grande rival do FC Porto, os jogos deviam ser bastante quentinhos…

    Bastante quentes! Na altura, a maioria dos árbitros tinham sido atletas do Ramaldense ou estavam ligados ao clube, havia uma cumplicidade muito grande, era uma modalidade muito familiar e que era confinada praticamente à cidade do Porto. No campeonato nacional tínhamos o Atlético, Belenenses, Benfica, Futebol Benfica. O Porto por norma estava sempre na fase final do campeonato nacional, e aí brilhávamos mais que no regional porque as equipas de Lisboa eram mais técnicas e nós éramos a equipa mais técnica do regional. O Ramaldense tinha, indiscutivelmente, grandes jogadores, mas jogava com uma virilidade excessiva. Cheguei a ter um jogo no nosso campo em que o árbitro me disse que se abrisse a boca ia para a rua, havia uma intimidação dos próprios árbitros aos atletas. Eu lembro-me de uma final do regional, no campo pelado de Matosinhos, em que houve tiros! Nós jogadores tivemos que nos atirar para o chão! E tivemos jogos com o União de Lamas e, principalmente, o Ramaldense em que tivemos que ter cães-polícias. Nós entravamos em campo praticamente a perder. Éramos autênticos heróis. Só para dizer que no dia em que nasceu o meu filho, 25 de Abril de 1976, eu estava com umas dores no meu dedo porque no dia anterior tinha marcado um golo, mas em simultâneo levei uma pancada em que fiquei quase sem unha e tive que sair. No dia 24 a minha mulher estava com dores e eu também, mas eram no dedo (sorrisos). Valia tudo, é inimaginável aquilo que se passava.

    Conte-nos uma situação caricata que se lembre?

    Tinha sido convocado para a selecção nacional e estava muito mal preparado. No 1º treino efectuado no estádio do Mar, estava muito calor e eu rebentei. Na altura o massagista era o falecido Lopinhos, meu massagista no clube, caí perto dele, e houve uma cumplicidade entre nós para que eu não fosse retirado, tendo o Lopinhos dito que eu tinha um problema no joelho e escondendo assim a minha deficiência física.

    (continua...)


NOTA: A 2ª parte da entrevista, onde serão discutidos aspectos relacionados com o Fernandito adepto, será publicada amanhã.

9 comentários:

  1. Fantástica entrevista, as coisas que eu desconhecia e fiquei a saber...
    Parabéns Sevilha! ;)

    Amanhã cá estarei para ma deliciar com o resto da entrevista!


    BIBÓ PORTO

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  2. Muito bom "pedacinho" da nossa história. E assim se faz ela, juntando todos os pedaços como um puzzle.
    Obrigado Sevilha + Lucho e Pedro.
    Um abração azul forte.
    BIBÓ PORTO!

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  3. Aprecio muito o seu blog e gostaria que adicionasse a sua lista o meu blog http://diariododragaopt.blogspot.com/. N aturalmente o seu blog faz parte dos blogs que sigo na blogosfera.

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  4. Grande artigo. Aqui está uma peça de que gostei , sinceramente. E aqui está um nome que admirei, dos seus tempos de atleta e treinador / colaborador do clube, mas do qual, também sinceramente, estava praticamente esquecido. É o que faz ter desaparecido a secção do FCP, tendo eu deixado de ligar ao hóquei em campo depois, e o que deixa de ser visto não é lembrado. Mas este nome era mesmo o de um grande atleta, dum nome referencial do hóquei em campo Portista.
    Estou curioso pela continuação do artigo.

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  5. Excelente, por todos os motivos e ainda mais um, pois na foto da equipa campeã de Hóquei, tirada no campo do Ramaldense, onde joguei, lá estão o Neca careca - trabalhou com o meu pai -, o Serafim careca -trabalhou comigo no EFI - e o Daniel, guarda-redes, que conhecia bem.

    Do Fernandito, lamento, mas não me lembro.

    Um abraço ao trio, Lucho, Sevilha, PP e também ao Fernandito, que um dia destes conhecerei pessoalmente.

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  6. Entrevista realmente deliciosa. Hóquei em Campo, uma modalidade que em tempos deu cartas no Clube. Referências a Pedroto, "Pinga", Artur Baeta, Virgílio, Miguel Arcanjo e Dover que fazem arrepiar. Parabéns ao ex. atleta "Fernandito" e a todos que a tornaram a entrevista possível.

    Abraço

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  7. parabéns pelo trabalho!!!!

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  8. já me tinha constado, mas confirma-se... o Fernandito (para mim, o Sr. Fernando!), fala pelos cotovelos ;)... constou-me até que tiveram que o «calar» à força, senão, aquela entrevista, ia dar azo uma qualquer autobiografia ;)

    agora, mais a sério, está aqui uma bela d'uma entrevista, com muito, muito sumo... e mesmo não sendo um dos desportos que admiro, fez-me relembrar algumas (muitas) histórias que já tinha ouvido desses jogos «pra homens de barba rija», entre o nosso fCPORTO e o Ramaldense... confirma-se, aquilo era o fim da picada ;)

    os meus parabéns ao ENORME Sr. Fernando, e aos 3 gurus (amadores) das entrevistas, Sevilha03, Lucho e PedroPOrto!!!

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  9. Foi uma bela conversa a 4 na noite de quinta feira.

    É um prazer falar e poder ouvir estas histórias de um Portista como o Fernandito.

    Abraço tb ao sevilha e ao pedro.

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