29 dezembro, 2009

3 comentários:

  1. MIGUEL SOUSA TAVARES
    A Luz ao fundo do túnel


    O futebol português parece ter entrado agora na fase dos túneis. Tem em comum com as anteriores — a fase das cotoveladas e a dos sumaríssimos — o mesmo alvo, mal escondido com o rabo de fora: o FC Porto. No passado, como se recordarão, só havia sumaríssimos para jogadores do FC Porto e também só eles é que usavam os cotovelos, mesmo que imaginariamente. Incontáveis programas de televisão gastavam horas a passar ao ralenti imagens envolvendo jogadores portistas até conseguirem «provar» que tinha havido cotovelada. Não por acaso, os alvos predilectos foram sempre jogadores que, numa ou noutra época, eram decisivos no plantel azul-e-branco: McCarthy, Deco, Quaresma. Não sei se já repararam mas, assim que eles se foram embora, desapareceram as cotoveladas do futebol português e morreram os sumaríssimos.

    E eis então que chegamos à fase do túnel. O alvo principal desta vez chama-se Hulk — que, embora esteja em crise de exibições, tem o potencial por todos bem conhecido de, quando lhe dá na gana, virar a história de um jogo. E quem tem esse potencial também pode virar a história de um campeonato. O Sapunaru ou o Helton todos sabem que não incomodam por aí além. Mas o Hulk, sim: tirar o Hulk ao FC Porto até final do campeonato é o mesmo que tirar o Di María ao Benfica. Vale a pena, então, empreender na nova teoria dos túneis e criar doutrina — a qual, como de costume, nascerá e morrerá depois de cumprida a sua função de diminuir drasticamente o potencial competitivo do FC Porto.



    O mais curioso disto tudo é que o tuning começou na época passada, com o Benfica, e assim continuou esta época. As confusões nos túneis envolveram sempre jogadores do Benfica e jogos onde o Benfica participou. Pura coincidência. Já no ano passado, depois de um jogo na Luz, o nacionalista Rúben Micael (que bem que ele ficava de azul-e-branco!) desabafou: «Passam-se coisas estranhas no túnel do Estádio da Luz, que mereciam ser investigadas». Investigar o túnel da Luz? Está quieto, nessa não cairia o CD da Liga!



    Durante toda esta semana, no rescaldo do Benfica-FC Porto, os jornalistas conotados com os interesses do Benfica foram preparando o terreno para uma «justiça exemplar», adequada aos horrendos crimes que três jogadores portistas terão cometido no túnel da Luz. Primeiro, sentenciando que a coisa era tão grave que, no mínimo, iria haver jogadores suspensos por seis meses e, no máximo, por seis anos! E na terça-feira já estavam municiados com a informação de que a suspensão preventiva dos jogadores portistas era de duração indeterminada— porque assim tinha sido estatuído, por proposta do próprio FC Porto, aliás, com a abstenção do Benfica. Esta informaçãozinha bem oportuna, escorregada para os jornais, deixou-me logo de sobreaviso do que se prepara. Pinto da Costa faz bem em ir já ao mercado ou ao Olhanense, porque tudo está a ser devidamente montado para que o Hulk não jogue mais esta época. Há, sobretudo, uma coisa impensável e inaceitável: que o Benfica não seja campeão este ano. Porque se isso acontece, a própria falência é uma hipótese bem séria.



    Antes, porém, de os justiceiros habituais entrarem em acção — além do mais, com um longamente reprimido desejo de vingança da vergonhosa e total derrota dos seus planos de encostar o FC Porto, despojá-lo dos títulos conquistados, retirá-lo da Europa e enviá-lo para a segunda Liga para melhor desimpedir o caminho ao Benfica, graças ao fabricado «Apito Dourado» — convém, talvez, parar para pensar um pouco. Ou, ao menos, para fazer umas perguntas, que julgo pertinentes para a investigação. A saber:



    1 Os seguranças (stewards) têm ou não o direito de estar no túnel de acesso aos balneários? Se têm esse direito, a que título lhes é concedido? E, se o não têm, será que, da parte do Benfica, tudo se resolve com uma multa de 250 euros?



    2 Houve ou não provocação dos seguranças a membros da comitiva azul-e-branca, no dito túnel, e antes ou após o jogo?


    (...)

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  2. MST (...)

    3 Nomeadamente, é verdade ou não que o segurança alegadamente agredido por Sapunaru começou logo por provocar Reinaldo Teles antes do jogo se iniciar, quando os jogadores foram para o aquecimento? E voltou a fazê-lo depois do jogo terminado?



    4 Se houve provocações, eles partiram espontaneamente do ou dos seguranças ao serviço do Benfica, ou foram premeditadas e por quem?



    5 Se o relato da imprensa desportiva está certo, isso implica que os jogadores do FC Porto, todos eles, atravessaram o túnel após o jogo e recolheram-se na sua cabine, sem quaisquer incidentes, só depois tendo saído da cabine para verem o que era a confusão que decorria no túnel? Ou seja: não agiram nem premeditadamente nem por iniciativa própria, mas apenas por reacção a qualquer coisa que viram ou ouviram?



    6 E que tremenda confusão se terá então armado no túnel que chamou a atenção dos jogadores portistas, que já estavam recolhidos à sua cabine? E porque não chamou também a atenção dos jogadores ou elementos da comitiva do Benfica?



    7 O filme de terror, tão propagandeado pela imprensa próxima do Benfica, contém apenas cenas escolhidas, ou antes tudo o que aconteceu no túnel, desde que o FC Porto chegou às instalações da Luz?



    8 Existe alguma disposição penal ou disciplinar em toda a ordem jurídica portuguesa que preveja a suspensão prévia sem limite de tempo de um suspeito ou arguido? Se existe, resta alguma dúvida de que ela é, obviamente, inconstitucional?



    9 De igual modo, existe alguma pena disciplinar (seja pena principal ou acessória) que suspenda o direito ao trabalho durante mais do que trinta dias? E se o Tribunal Constitucional for chamado a julgar um estatuto disciplinar tão idiota como o que foi parido pelos juristas do futebol português, com penas de impedimento de jogar por seis meses ou seis anos, num País onde a Constituição estabelece que ninguém pode ser privado do direito ao trabalho, o que acham que os juízes farão à coisa?



    10 Faz algum sentido para alguém (tirando para estas luminárias jurídicas do nosso futebol), que, se um jogador agride outro, durante o jogo e à vista de toda a gente, seja expulso e fique um ou dois jogos sem jogar, se agride um árbitro fique seis meses sem jogar, mas que, se agride alguém que não faz parte do jogo, fora dele e longe da vista de todos, possa ser suspenso de seis meses a seis anos? Qual é a lógica desta absurda disparidade de critérios? Agredir um segurança num túnel é cem vezes mais grave do que agredir um adversário ou o árbitro durante o jogo? E a agressão é mais grave se cometida perante cinco testemunhas do que se cometida perante cinquenta mil?



    Claro que nada disto faz sentido algum. São apenas leis idiotas, paridas por juristas de segunda categoria e aprovadas ao desbarato na confusão das Assembleias Gerais da Liga. O valor dos nossos juristas do futebol ficou exuberantemente demonstrado quando, depois de tantas e tão judiciosas decisões no «Apito Dourado», eles viram (sem estremecer de vergonha, é certo) as suas sentenças serem todas estilhaçadas pelos sucessivos tribunais, com juízes a sério e sem manobras clubísticas ocultas. O que daqui vai sair, com grande grau de probabilidade, é que, depois de terem estreado com o FC Porto estas disposições disciplinares dignas do Código de Costumes da Arábia Saudita, os que assinaram isto de cruz vão deitar as mãos à cabeça e revogar tudo. Só que, entretanto, os espertos do costume já terão conseguido o seu cordeiro imolado. Tal qual como sucedeu com os célebres sumaríssimos.



    É a Luz ao fundo do túnel.



    Miguel Sousa Tavares n' A Bola.

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